O 08 de março marca a luta pelos direitos das mulheres, e é uma boa oportunidade para celebrar a participação feminina na organização, estimular reflexões importantes entre os colaboradores, além de engajar o time nas metas do ano, que ganha ritmo nessa época.
Porém, o que vejo, há doze anos palestrando nessa data, é que ainda se desperdiça tempo, dinheiro e energia em ações cosméticas que anulam o protagonismo feminino e apenas reforçam estereótipos sem sentido, ainda mais para a Gen Z.
O resultado, nesses casos, acaba sendo o desengajamento e a deterioração do clima organizacional.
Quando a empresa contrata uma palestra minha, quase sempre, ganha uma consultoria de storytelling para o evento todo, o que ajuda a diminuir o risco de repercussão negativa.
Como não posso estar em todas as empresas, escrevi esse texto, mesmo correndo o risco de ser mal interpretada, para ajudar quem abraçou a missão de organizar o dia das mulheres na empresa.
A seguir, elenco os erros mais frequentes, de formato e conteúdo, com as devidas explicações e sugestões alternativas.
1. Colorir a empresa de rosa
Nada contra a cor! O problema é que, ao longo de décadas, ela tem sido associada a um único conceito de feminino, associado a delicadeza, passividade e submissão. Muitas mulheres não se identificam com essas características, o que torna o seu evento excludente desde a comunicação visual.
Acha exagero? Conte nos dedos quantos homens hétero você conhece que usam roupas e acessórios cor-de-rosa…
Alternativa: Que tal promover uma enquete entre as mulheres para definirem a paleta de cor da data? Além de gerar uma expectativa positiva em relação ao evento, cria um senso de identidade único entre elas.
2. Anunciar o evento como uma solução mágica para um “defeito feminino”
Por exemplo: Quando se contrata uma palestra sobre equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, exclusivamente para o público feminino, o que se está dizendo, no subtexto, é que elas são desequilibradas e desorganizadas.
Mulheres não precisam ser consertadas. Elas precisam ser ouvidas, legitimadas e incluídas nas suas diversidades.
Alternativa: Que tal substituir a palestra sobre Equilíbrio pelo tema Autocuidado? Isso demonstra preocupação real com a qualidade de vida das mulheres, em vez de ditar regras de produtividade opressora.
3. Escalar um homem poderoso para abrir o evento
O acesso feminino aos palcos e microfones ainda é restrito, tanto nas reuniões como nos eventos corporativos (somos 25% de speakers nos lineups brasileiros).
Quando um homem abre um evento sobre e para mulheres, soa como se ele estivesse sendo bonzinho de parar as máquinas e dar permissão para que elas brinquem um pouco.
Alternativa: Se o objetivo é legitimar a presença feminina na organização, considere convidar uma liderança feminina interna a abrir os trabalhos.
Depois, o presidente pode até dar uma palavrinha, de preferência, relembrando aos homens presentes o seu papel de sponsor dos talentos femininos da empresa.
4. Contratar um palestrante bonitão para cantar e distribuir flores
Nada contra bonitões, música ou flores, mas é preciso preservar o sentido da data.
O Dia Internacional das Mulheres não é o show de fim de ano do Roberto Carlos.
É uma data estipulada, no início do século XX, nos Estados Unidos e na Europa, a fim de marcar as lutas feministas por melhores condições de vida e trabalho, e pelo direito de voto.
É evidente que temos conquistas a celebrar, mas ainda temos muito a evoluir no que tange à criação de oportunidades reais de carreira para mulheres. Em especial, as que reúnem mais de um marcador social: negras, LGBTQIA+, refugiadas, periféricas, PCDs, mães solo.
Alternativa: Que tal promover uma roda de conversa e dar voz às mulheres diversas da empresa? Uma líder mais engajada pode mediar as perguntas e uma especialista convidada amarrar as ideias.
5. Discursos com jargões chatos e ultrapassados
“Parabéns para essas guerreiras incansáveis!”
Guerra não é o estado natural de ninguém, e as mulheres estão sobrecarregadas como nunca. Elogiá-las por isso é romantizar um estilo de vida não sustentável.
Alternativa: “Parabéns por terem superado tantos obstáculos até aqui!”
Essa frase reconhece que, historicamente, o ponto de partida das mulheres não é o mesmo que o dos homens.
“Vocês, que dão conta de tudo…”
Essa frase reforça a desigualdade na divisão do trabalho doméstico. O que se entende por “tudo” das mulheres precisa ser revisto, e as empresas devem estimular essa consciência.
Alternativa: “Talvez eu nunca saiba o que é passar pelo que vocês passaram…”
Cuide para que a sua admiração não invada o lugar de fala de uma mulher cuja luta você desconhece.
“Só vocês conseguem cuidar de todos, sempre com um sorriso no rosto…”
E quem cuida de quem cuida? Aproveite a data para ouvir como elas se sentem por dentro, e estimule-as a se priorizarem.
Alternativa: “Vocês podem mais, cada uma do seu jeito, e queremos apoiá-las nisso.”
Afaste o mito da competição feminina e comprometa-se a corrigir as distorções.
“… E que chegam ao fim do dia lindas e perfumadas.”
Elogios à aparência são escravizantes e transmitem a ideia de que beleza é parte do job description.
Alternativa: “… Porque vocês têm talentos únicos que tornam a nossa empresa melhor.”
Elogie habilidades técnicas e comportamentais, ativos que também geram reconhecimento material.
E essas são só algumas pérolas com que me deparei em minha carreira e luto para que, num futuro breve, a competência profissional de uma mulher seja tão bem avaliada e bem vista quanto suas qualidades ditas femininas.
Esse pequeno guia pode crescer com a sua colaboração. Se você se lembra de alguma outra fala ou atitude que diminui o protagonismo feminino nos eventos do Dia das Mulheres, compartilhe a sua experiência nos comentários.